Vinicius Jr sofreu mais um ato de racismo em jogo válido pela 35a rodada de La Liga, disputado entre Valencia e Real Madrid, no estádio Mestalla, neste domingo (21/05/2023).
Index
O Jogo
O Real Madrid visitava o Valencia em seu estádio, o Mestalla, em jogo válido pela 35a rodada de La Liga.
De um lado, o Madrid jogava sem muitos de seus titulares, após praticamente decretar o fim da temporada, tendo em vista a impossibilidade de ultrapassar o campeão espanhol Barcelona e ter sido eliminado da Champions League pelo Manchester City.
O Valencia, por outro lado, jogava o jogo de sua vida por estar lutando contra o rebaixamento. Com a vitória, o clube chegou aos 40 pontos e se afastou da zona da degola.
Entretanto, com muito pesar, podemos afirmar que o jogo se tornou algo muito pequeno perto dos acontecimentos ocorridos naquela tarde de domingo.
Como sempre, Vinicius Jr foi alvo de provocações durante todo o jogo, sobretudo após o gol do Valencia, marcado aos 33 minutos.
Até que, aos 60 minutos, as provocações se tornaram insultos da pior estirpe. O estádio em coro chamava Vini de “mono” (macaco). O jogador, injuriado com tal acontecimento, identificou torcedores que além de entoar os cantos, ainda imitavam macacos na arquibancada.
O jogo foi paralisado e o sistema de som do estádio solicitou que os torcedores parassem com tais gritos.
A partida foi reiniciada e uma nova confusão se instaurou, desta vez nos acréscimos. Os jogadores do Valencia, ao invés de se compadecerem com o inferno pelo qual passava seu companheiro de profissão, endossaram o comportamento grotesco de seus torcedores e discutiram com Vinicius Jr.
O craque brasileiro foi rodeado por jogadores do Valencia e entre tapas e empurrões, foi sufocado com um “mata-leão” por Hugo Duro, jogador do Valencia.
Não satisfeito com o cenário de caótico, o árbitro Ricardo De Burgos Bengoetxea ainda expulsa Vinicius Jr por sua mão ter atingido o rosto de um jogador do Valencia enquanto tentava se defender das agressões que sofria.
A onda neonazista e o racismo institucional na Espanha
Muito do que já aconteceu e acontece na Espanha quando falamos de racismo pode ser explicado por sua história.
Na verdade, não há nada que possa explicar comportamento tão abjeto da sociedade espanhola, mas tentaremos trazer aqui o contexto histórico.
A Espanha, em meados do século XX, acompanhada por Portugal, Alemanha e Itália, foi ponto focal na proliferação da ideologia nazifascista.
Em 1939, Francisco Franco sobe ao poder de maneira absolutamente ilegítima e com uma guerra civil que deixou milhares de mortos. Sua ditadura se arrasta até sua morte, em 1975.
Ao contrário de Itália e Alemanha, que perderam a Segunda Guerra Mundial e tiveram seus regimes totalitários extirpados da face da terra, os espanhóis se mantiveram não-alinhados durante os conflitos, não sendo então considerados perdedores desta.
Com isto, os ideais franquistas, baseados na xenofobia, racismo, fascismo e eugenismo ainda se mantém muito presentes na sociedade espanhola.
Tal fato se acentua com as grandes ondas imigratórias vindas da África e Oriente Médio.
Infelizmente, Vincius Jr é vítima desta cultura, que afeta todos os setores da sociedade.
Racismo em La Liga
Vinicius Jr tem apenas 22 anos. Apesar da pouca idade, já venceu quase todos os campeonatos possíveis à nível espanhol e europeu. Mas é na liga espanhola onde se sente mais incapaz e indefeso.
Desde 14 de março de 2022, Vini sofreu nada mais nada menos que 10 casos de racismo.
Surpreendentemente (ou não), todos os casos se encontram arquivados ou não geraram qualquer tipo de punição aos envolvidos.
Vinicius Jr, nestas oportunidades, foi chamado de macaco inúmeras vezes, além de ter um boneco seu enforcado em plena via pública de Madrid por torcedores do Atlético de Madrid.
Todos os casos deveriam ser passíveis de punições gravíssimas, mas o que ocorreu neste domingo conseguiu superar qualquer sentimento de injustiça.
Preliminarmente, é necessário que todos os envolvidos, clubes, jogadores, torcedores e árbitros entendam que Vinicius Jr é uma vítima neste cenário. Em diversas oportunidades, na busca de se eximir de qualquer responsabilidade, os envolvidos alegam que Vini tenha provocado os atos racistas.
Tal tentativa de justificativa é baixa e apenas demonstra a conivência de uma liga e arbitragem que endossam este show de horrores.
Como se não bastasse o racismo sofrido, Vinicius Jr foi agredido dentro de campo. Mas ali ele só pode contar com alguns de seus companheiros de equipe, seu técnico e ele mesmo. A arbitragem espanhola, que já tem sua honestidade posta em cheque pelos escândalos em que estaria constantemente envolvida, não tem a capacidade sequer de garantir a integridade física de Vini.
Isto não é tudo. Acredite ou não, o episódio de racismo não constava na súmula original do jogo e foi adicionada posteriormente apenas.
Mas toda esta postura da arbitragem é apenas um dos pontos.
O Presidente de La Liga, Javier Tebas, além de não se posicionar absolutamente contrário ao caso, ainda teve a coragem de responder à Vinicius Jr que ele deveria se informar melhor sobre quais as competências de La Liga em casos de racismo.
Realmente faltam palavras para descrever o que se passa aqui.
De agora em diante: o que deve ser feito?
É triste discorrer sobre o tema e poder afirmar que não há uma solução evidente para o combate do racismo na Espanha.
Isto porque, o racismo em La Liga, para aqueles que a dirigem e que estão de alguma forma envolvidos, sequer parece ser um problema.
Vemos isto pelas declarações de seu presidente, da atitude dos árbitros desta e de todas as outras partidas em que ocorreram casos racistas, bem como dos jogadores.
O Presidente escancara uma mentalidade racista enraizada na sociedade espanhola e não demonstra qualquer tipo de remorso ou tentativa de mudança brusca. Seja conscientizando por meio de processos educativos, seja por punições severas, seja pelo apoio às vítimas, que por acaso, são os ativos mais valiosos de sua marca.
Ainda, vemos como os jogadores adversários endossam a postura de torcedores, isto quando não praticam o racismo ali dentro das quatro linhas. Não têm a mínima empatia em ver que não só um ser humano, mas seu próprio companheiro de profissão está sofrendo com uma das situações mais degradantes imagináveis.
Agora, a luta para o avanço deve partir não apenas daqueles que não compactuam com as atitudes, mas que se mostram indignados com qualquer sinal delas.
O único lado positivo desta situação é ver a mobilização contra o racismo. Flamengo, Vasco, Botafogo, Fluminense, Atlético-MG, Santos, Palmeiras e São Paulo já se manifestaram contra o ocorrido.
O Presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio da Silva, se pronunciou contra o ocorrido e prestou apoio à Vinicius Jr.
Ademais, o governo brasileiro emitiu a seguinte nota oficial:
Tendo em conta a gravidade dos fatos e a ocorrência de mais um inadmissível episódio, em jogo realizado ontem, naquele país, o governo brasileiro lamenta profundamente que, até o momento, não tenham sido tomadas providências efetivas para prevenir e evitar a repetição desses atos de racismo. Insta as autoridades governamentais e esportivas da Espanha a tomarem as providências necessárias, a fim de punir os perpetradores e evitar a recorrência desses atos. Apela, igualmente, à FIFA, à Federação Espanhola e à Liga a aplicar as medidas cabíveis.
O governo brasileiro tem atuado em cooperação com o governo da Espanha para coibir, reprimir e promover políticas de igualdade racial e compartilhar conhecimento e boas práticas para ampliar o acesso de pessoas afrodescendentes e imigrantes ao esporte com total intolerância a toda e qualquer prática discriminatória, com o apoio ao aperfeiçoamento das melhores práticas internacionais para promover a prevenção e o combate ao racismo, além de qualquer tipo de discriminação nas diferentes modalidades de esportes.”
O fim está longe de se aproximar. Em certa instância, o problema está mais próximo do seu ápice do que seu fim. Casos de racismo se repetem e parecem não ter solução.
Cabe à nós, aqueles que não toleram este tipo de atitude, nos posicionarmos em nosso dia-a-dia. Seja pelas redes sociais, seja nas ruas, seja em seu trabalho ou com os amigos. Não há espaço para o racismo, em hipótese alguma.
Siga-nos nas redes sociais para ficar por dentro das novidades do futebol estrangeiro, exclusivos: Instagram, Facebook e Twitter
Escrito por Vitor F L Miller.